Se tiverem razão, é quase certo que venha a ser bem mais reconhecida a contribuição do autor deste ambicioso lançamento: Robert U. Ayres, físico e economista estadunidense, que, desde 1992, era professor de economia e tecnologia no Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead), na França. Ele morreu há dez dias, aos 91 anos.
Em seus mais de sessenta anos de pesquisas – que sempre integraram física, economia e ecologia -, Ayres publicou trinta livros e centenas de trabalhos, todos em defesa de uma tese essencial: energia não pode ser entendida como mera mercadoria intermediária. Mas, sim, precisa ser entendida como trabalho, por mais que isto escandalize o pensamento econômico normal.
No ano passado, quinze expoentes do campo da economia ecológica o indicaram para o prêmio Nobel, em longa carta aberta ao comitê científico de nomeações. Missiva que começa por ressaltar a edição especial a ele consagrada pela revista Environmental Innovation and Societal Transitions.
Consulta ao editorial desse número é suficiente para entender que foi Ayres o pioneiro das pesquisas sobre os ‘fluxos de materiais-energia’ na economia global. Por ser dele o conceito de ‘metabolismo industrial’, gerador da área de estudos explorada, desde 1997, pelo Journal of Industrial Ecology.
Não deixa de ser bem esquisito, então, que Robert U. Ayres seja um ilustre desconhecido em um país onde tanto se sonha com “protagonismo” e dianteira na mudança para uma matriz energética renovável, venha ela a ser de caráter transitório ou revolucionário.
Boa justificativa talvez esteja no fato de apenas um de seus livros ter sido traduzido no Brasil, em 2012, pela editora gaúcha Bookman: Cruzando a Fronteira da Energia. Neste caso, em coautoria com o irmão Edward, escritor ambientalista, que, na direção do Worldwatch Institute, editou a revista bimestral Worldwatch – também famoso, aliás, como o abnegado corredor de ultramaratona que criou a revista Running Times.
Para os irmãos Ayres, a melhor estratégia de crescimento econômico seria reformar radicalmente a maneira de gerenciar as atuais matrizes energéticas, com a meta de duplicar a quantidade de “serviços de energia” recebida de cada gota de combustível fóssil que usamos.
Dizem que a energia física desempenha um papel muito mais importante na produtividade do que admite a maioria dos economistas que assessoram empresas e governos. E que a economia energética do mundo industrial é tão profundamente dependente dos combustíveis fósseis, que, mesmo o mais célere crescimento das indústrias de energia eólica, solar e outras renováveis não poderia substituir substancialmente o petróleo, o carvão e o gás natural.
“Para os ambientalistas, talvez seja decepcionante e desorientador pensar que o meio mais rápido e mais barato de reduzir emissões de carbono e a utilização de combustíveis fósseis não é virar as costas para as velhas e sujas indústrias do passado e do presente, mas atacar seus recantos mais negligenciados e limpá-los – até que alternativas melhores atinjam a escala adequada”.
Isto não quer dizer que admitam a abertura de novos poços de petróleo. Ao contrário. Incansavelmente, repetem que se trata de melhorar a eficiência no uso do petróleo já em extração. Em 2010, os Estados Unidos se arrastavam em torno de 13% de eficiência global, quando poderiam dobrar esta taxa sem nenhuma nova oferta de tecnologia ou combustível fóssil. Naquele momento, o Japão já atingira o patamar de 20%.
Também fizeram pesadas críticas, nesse mesmo livro de 2010, às posições de William Nordhaus (Nobel em 2018), assim como às do célebre Sir Nicholas Stern, que acaba de publicar artigo em coautoria com Joseph E. Stiglitz (Nobel em 2001), na revista Industrial and Corporate Change.
Não faltariam motivos, portanto, para uma imensa curiosidade por este lançamento de 2023, com promessa de incomum excursão ao “futuro do pensamento econômico e a economia do futuro”.
Todavia, logo se nota que o futuro mal chega a ser tratado no último e curtíssimo capítulo, depois de outros dezesseis, que ocupam mais de 90% da obra, com uma estranha “história”.
Em verdade, tal “história” é uma espécie de ‘fichamento’ das biografias de inúmeros pensadores, sem qualquer citação das sempre imprescindíveis fontes e suas referências bibliográficas. A explicação está logo na abertura dos agradecimentos:
“Preciso confessar que minha fonte mais importante de dados históricos sobre pessoas e economia foram os muitos autores nomeados e anônimos da Wikipédia. Se fosse possível, eu consideraria a Wikipédia como ‘coautora’ deste livro”.
O resultado de tão inusitado “corta-e-cola” foi algo infinitamente pior do que qualquer dos livros de “HPE” (História dos Pensamento Econômico) costumeiramente adotados em cursos de graduação. Fica-se com a impressão de que o exercício pode ter garantido, ao autor, ótima diversão e aprendizado, mas com benefício nulo para o leitor.
Agora, será que o capítulo final sobre os tais ‘futuros’ (do pensamento e da economia) conteria algo que, assim mesmo, compensasse comprar o livro?
Infelizmente, não! Além de raso e obscuro, tal capítulo tem até parágrafos repetidos. Na página 331, o principal livro de Nicholas Georgescu-Roegen aparece como sendo de 1921, embora só tenha surgido cinquenta anos depois.
Pode ser compreensível que, aos 91 anos, Ayres tenha se apressado em amontoar materiais para mais um livro. Mas não há perdão para a falta de um trabalho de revisão basilar. Ainda mais por editora do porte da Springer.
THE HISTORY AND FUTURE OF ECONOMICS. Robert U. Ayres. Springer, 2023. 405 págs.